quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Pílula anticoncepcional: 60 anos de revolução

Entenda um pouco mais sobre essa revolução para as mulheres, que trouxe grande impacto social e familiar em todo o planeta

Por Jaqueline Corrêa
jaqueline.correa@arcauniversal.com


A criação da pílula anticoncepcional, na década de 1950, teve enorme impacto social na vida das mulheres do mundo inteiro. A invenção de dois médicos norte-americanos, Gregory Pincus e Carl Djarassi, proporcionou à mulher a opção de adiar a gravidez ou de não ter filhos. Sobre o assunto, conversou com o Portal Arca Universal a professora doutora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) Ana Luiza Vilela Borges.
Quais as principais mudanças que a pílula anticoncepcional trouxe para  a sociedade?          
 Uma das principais mudanças foi a desvinculação do sexo da reprodução. A partir daí, os indivíduos puderam contar com um instrumento eficaz de regulação de sua própria fecundidade, possibilitando que a mulher pudesse decidir quando e quantos filhos teria, independentemente da vontade ou colaboração do homem.
A pílula anticoncepcional foi criada na década de 1950. Naquela época, as mulheres eram muito dependentes. O que houve de revolucionário nas nossas vidas após a criação da pílula?
A sociedade modificou-se muito desde os anos 50. Sem dúvida, ter a capacidade de regular a própria fecundidade foi um ganho no que concerne a ampliar a independência da mulher em relação ao homem. Mas não podemos esquecer o papel do movimento feminista na luta pela igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. Além disso, as mulheres empobrecidas no Brasil ainda não conseguem se inserir completamente no mercado formal de trabalho, mantêm uma baixa escolaridade e poucas oportunidades de mobilidade social.
Algumas mulheres que não pretendem ter filhos são consideradas egoístas por parte da sociedade. Mas, o fato dela ser independente e priorizar outros aspectos da vida, que não o de ser mãe, pode ser considerado uma espécie de independência exagerada, ou até mesmo egoísmo?
Na perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos (e esta perspectiva está presente nas políticas públicas brasileiras), homens e mulheres têm o direito de escolher quando e quantos filhos querem ter, mesmo que a escolha seja não ter filhos. Trata-se de uma decisão individual, a ser negociada entre os parceiros. Entretanto, não podemos perder de vista que, apesar de toda mudança na inserção das mulheres no mercado de trabalho, ainda recai sobre ela a maior parte dos cuidados com os filhos e demais atividades domésticas, o que pode fazer com que a opção pela maternidade não seja tão autônoma como possa parecer, já que nem sempre há equipamentos sociais que possam dar suporte à mãe trabalhadora, como creches, registro na carteira, diminuição ou flexibilização de carga horária de trabalho, entre outros. A própria duração da licença-paternidade (5 dias) é uma prova do quanto a maternidade ainda é vista como uma responsabilidade única da mulher. Além disso, às mulheres ainda é imposta a necessidade de procriação e a perspectiva de que uma família só é completa e a mulher só pode ser feliz quando tem filhos, o que nem sempre é verdade.
Por outro lado, muitas mulheres têm vários filhos, mesmo que indesejadamente, alegando falta de condições financeiras para comprar uma caixa de pílulas, ou porque não conseguem encontrar nos postos de saúde. Há formas de prevenção da gravidez mais acessíveis para mulheres de menor renda?
Atualmente, as Unidades Básicas de Saúde disponibilizam gratuitamente várias opções de métodos contraceptivos, entre eles o preservativo masculino e feminino, a pílula anticoncepcional oral combinada, o diafragma, o DIU (foto ao lado) e, em alguns casos, quando há indicação, a vasectomia e a laqueadura tubária. Lembro também que a pílula do dia seguinte está disponível, para casos em que há falhas no uso de métodos ou violência sexual. Há o Programa de Planejamento Familiar e o Programa de DST/AIDS que orientam a população quanto aos métodos contraceptivos e doenças sexualmente transmissíveis. Devido às amplas opções de métodos contraceptivos fornecidas pelos postos de saúde, na ausência do estoque de algum método contraceptivo, outro provavelmente deverá estar disponível, mesmo que haja apenas o preservativo masculino. Para aquelas que não têm acesso fácil ou que, ainda assim, não encontram nos postos de saúde métodos contraceptivos gratuitamente, há a opção de adquirir alguns métodos de alta eficácia em farmácias a custos muito baixos em unidades do Programa Farmácia Popular. Lembrando que o uso de pílulas ou anticoncepcionais injetáveis deve ser feito apenas com indicação médica.
Com a independência da mulher, a maternidade deixou de ser prioridade?
Enquanto a mulher continuar sendo a responsável pelos cuidados com os filhos e demais atividades domésticas, a maternidade poderá ser encarada como um peso. Independência feminina não existe realmente quando há necessidade de priorizar ou sufocar desejos às custas de ser bem-sucedida em outros âmbitos da vida. A maternidade deixou de ser prioridade para muitas mulheres, pois nem sempre é simples conciliá-la com uma atividade profissional, que é competitiva e requer disponibilidade de tempo. Neste contexto, muitas mulheres postergam a maternidade, dando preferência à realização profissional e independência financeira antes de ter filhos.
A possibilidade de postergar a gravidez para um período mais avançado, devido à carreira profissional, traz riscos para a saúde da mulher?
Muitas mulheres optam por ter filhos tardiamente, ou seja, após os 35 anos de idade. Devido aos avanços tecnológicos na área, a gestação tardia não impõe perigo à saúde da mulher, desde que faça um bom acompanhamento pré-natal. Contudo, existem alguns riscos que são mais presentes nas mulheres que engravidam após os 35 anos de idade, como perda fetal, hipertensão gestacional, gestações anômalas ou gestações fora do útero (ectópica). Além disso, nesta faixa etária ocorre uma redução do potencial reprodutivo, ou seja, reserva dos óvulos, como resultado do envelhecimento dos ovários. Ao mesmo tempo, a probabilidade de aparecimento de doenças ginecológicas, que diminuem a fertilidade como infecções pélvicas e endometriose, aumenta com a idade, dificultando, portanto, a gestação.
Usar a pílula a longo prazo traz riscos à saúde da mulher?
Antigamente as pílulas anticoncepcionais tinham uma alta dosagem de hormônios, o que causava alguns efeitos indesejáveis às mulheres. Atualmente, elas contêm baixa dosagem, o que diminui as contraindicações. Quando usada de forma adequada e dentro das indicações clínicas, a pílula anticoncepcional não traz riscos à saúde da mulher. Vale alertar que antes de fazer uso de qualquer método contraceptivo, deve-se procurar um profissional da saúde, para que seja indicada a melhor opção de uso.
O uso da pílula previne doenças? Quais?
Sim. Além de alguns benefícios em curto prazo, como a regularização dos ciclos menstruais e menstruações menos dolorosas, a pílula anticoncepcional, quando utilizada em longo prazo, pode trazer outros benefícios, como a diminuição de riscos de tumores ginecológicos, no ovário e no endométrio (mucosa que envolve a parede uterina), de doença benigna da mama, de doença inflamatória pélvica, de gravidez ectópica e de anemia por deficiência de ferro. Algumas alterações clínicas, como dismenorréia (sangramento irregular ou excessivo) e endometriose são tratados com a pílula anticoncepcional. É preciso lembrar que a pílula anticoncepcional não previne doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS e, portanto, o preservativo masculino deve ser usado em conjunto com este método.

Colaborou Christiane Borges do Nascimento, enfermeira obstetriz e pós-graduanda na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP)

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