quarta-feira, 11 de abril de 2012

Copa do Despejo.

Obras com a justificativa de preparar as cidades para o Mundial de 2014 devem expulsar ao menos 170 mil moradores de suas casas

       
       

Fernando Poffo

fernando.poffo@folhauniversal.com.br

Fonte : Folha Universal

Morador de Itaquera desde que nasceu, há 27 anos, o corintiano Marcelo Roberto Salvador tinha todos os motivos para sorrir com o anúncio da Copa do Mundo no Brasil: a construção de um estádio para a competição e para o seu clube de coração ao lado de casa – e no qual passou a trabalhar após três meses de desemprego. Mas a expectativa de um futuro promissor, com a região cada vez mais desenvolvida, passou a ser obscura. Salvador teme ser obrigado a deixar sua casa e já nem consegue aproveitar bem o dinheiro que recebe por trabalhar na Arena Itaquera.

"Eu preciso reformar a minha casa, mas não dá para gastar nada lá agora, porque a gente não tem certeza do que vai acontecer. Como vou gastar se não sei se vou ficar lá?", questiona Salvador, com medo dos rumores de uma possível remoção da comunidade do Goiti, que fica a 10 minutos do estádio da abertura da Copa. "Agora que tem tudo no bairro vão me mandar para onde?", pergunta o ajudante de produção, que nem sabe se terá mesmo de sair de casa devido às obras de mobilidade urbana que se ancoram no Mundial de 2014.



A apreensão de Salvador se justifica. Outras comunidades da região sofreram remoções depois de conviver com "boatos" de que haveria desapropriação em razão de obras da Copa, tema que preocupa os moradores mais pobres das cidades-sede do Mundial.

"Esses projetos não têm sido discutidos democraticamente com todos os atores que vivem nessas cidades. Em geral, os projetos têm a característica de transferir bens que estão com a população de baixa renda para outros agentes econômicos. Ao expulsar moradores carentes para regiões ainda mais distantes, as áreas são recolocadas no circuito da valorização de capital, trazendo enormes ganhos a poderosos grupos econômicos, e resultando na elitização dessas áreas, pois o setor imobiliário brasileiro não trabalha com margem de lucro abaixo de 100%. Há casos de até 1.000% de valorização", observa Orlando Alves dos Santos Júnior, professor da UFRJ e relator do Direito à Cidade – Plataforma Dhesca (Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais). "O que impressiona é a violência no procedimento, que não respeita nem o direito do cidadão de participar do que vai acontecer com a sua cidade", espanta-se o professor.


O comportamento no estilo "fato consumado" não informa os detalhes dos projetos e provoca preocupação em várias comunidades do Brasil, como acontece com o operário de Itaquera. Além da falta de transparência, o poder público tem adotado várias formas de pressionar os moradores e forçar uma remoção sem que os mínimos direitos sejam respeitados. A única cidade em que há chance de não haver remoção em razão da Copa é Brasília. "Mas isso porque no Distrito Federal o conceito de cidade de exclusão vem de um processo histórico. O DF tem a maior desigualdade do Brasil e dá para fazer uma relação entre a baixa renda e a falta de equipamentos públicos com a distância da cidade-satélite", explica Francisco Santiago, integrante do Comitê Popular local, sem deixar de criticar problemas indiretos em relação à moradia na cidade em razão da Copa (leia mais no fim da página).

A Folha Universal apurou nas 12 cidades-sede da Copa que em pelo menos 11 têm sido comuns as seguintes medidas que desrespeitam a lei: casas são marcadas sem qualquer explicação ao morador, notificações são entregues já com a remoção definida, propostas de indenização ficam bem abaixo do valor de mercado e ofertas de auxílio-aluguel insuficiente para o morador permanecer no bairro. No Rio de Janeiro, até negociações diretas com o empreiteiro e a entrega de sacos de dinheiro a moradores na calada da noite foram relatadas ao Comitê Popular. Outro expediente registrado no Rio e em São Paulo é a derrubada ligeira de casas após negociações obscuras, com ações que comprometem imóveis vizinhos ou simplesmente os deixam em meio a escombros, longe de uma condição digna de se viver.

Apesar dos vários casos já registrados e da expectativa conservadora feita pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas, que prevê a remoção de 170 mil moradores em todo o Brasil, os afetados têm como fazer valer o direito à moradia adequada, que protege o cidadão de remoções forçadas e garante, entre outras coisas, a permanência no bairro, moradia com acesso a serviços e infraestrutura. Depois de o poder público esclarecer a real necessidade de remoção com a comunidade, os moradores podem exigir uma casa na região, em condições iguais ou melhores. "Essa casa não é uma dádiva do poder público, é um direito do cidadão", alerta Santos Júnior. Para isso, os moradores precisam se unir e não negociar nada individualmente. Existem exemplos de sucesso, como no Metrô Mangueira, onde a comunidade conseguiu se mudar para a região, ou os moradores da Vila Autódromo, também no Rio, que resistem e podem até seguir em suas casas. Portanto, se unir a entidades de defesa dos bairros, procurar comitês populares, defensoria pública e se articular com vizinhos são atitudes para evitar um cartão vermelho arbitrário e ser obrigado a sair da casa em que vive há anos por causa da Copa.

Situação nas demais cidades-sede

Belo Horizonte

Obras vão afetar 500 imóveis. Já houve remoção das 70 famílias da Vila Recanto e de moradores das Torres Gêmeas, que receberam auxílio-aluguel de R$ 400. Há preocupação com mil famílias da Dandara, área vizinha ao Mineirão.

Manaus

Por onde passará o monotrilho BRT (transporte coletivo), 900 casas foram marcadas. Haverá mais remoção se o monotrilho sair mesmo do papel.

Cuiabá

Expectativa de 5 mil atingidos. A maior preocupação é com o VLT (transporte coletivo), segundo Inácio Werner, do Fórum de Direitos Humanos e da Terra. "O representante da Secopa disse que só vai indenizar propriedade em solo ocupado de forma regular", diz.

Fortaleza

Há cerca de 10 mil famílias sob o risco de remoção. O maior problema é o VLT (transporte), que afeta 11 bairros.

Brasília

Sem problema de moradia, mas a empresa que gere as terras públicas repassa verba às obras do estádio e deixa de investir em casas populares. A Universidade de Brasília resolveu reformar moradias estudantis.

Salvador

"Teremos 500 remoções no centro histórico", diz Célio Maranhão, do Comitê Salvador, preocupado com outras obras, como a via que cruzará o Bairro da Paz, onde vivem 100 mil pessoas.

Recife

Para as obras do Terminal Cosme e Damião, 200 casas devem ser demolidas. Há dúvidas em outras obras, como no binário de São Lourenço da Mata: "Inexiste o diálogo. Pelo traçado serão ao menos 600 famílias atingidas", diz Evanildo da Silva, do Comitê Popular.

Natal

Serão demolidas 269 casas e 119 lojas. Ainda há 11 projetos de mobilidade que podem afetar outras 700 propriedades.


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